2 de fev. de 2007

AQUELE VELHO NARIZ VERMELHO, MALTRAPILHO, NA VIDRAÇA DO RESTAURANTE


Ah, aquela velha expressão do mau-caráter que tudo mostra por debaixo do sobretudo, mas ninguém (nós, espectadores) vê ou desvenda seus segredos. Essa surpresa quase sempre fica por conta de sua vítima, outra personagem da história.

Não faço idéia de onde surgiu essa expressão libidinosa, mas sei que é como aquelas velhas piadinhas do náufrago, sozinho na ilha, e o coqueiro; ou aquelas do sedento no deserto, que eu adoro. Por incrível que pareça, são tão clichês, mas ainda assim conseguimos tirar bons proveitos e criar novas piadinhas em cima desses cartuns lugares comuns. O importante é, sempre, conseguir dar uma cara nova ao mesmo assunto.

No caso desse cartum que lhes apresento, a surpresa também fica a nosso cargo, leitores. E podem notar que, como nas figuras desnutridas e desgraçadas, as imagens de produtos e alimentos típicos do consumismo exacerbado mostradas pelo sujeito, indefinido e misterioso, nos causam tanto a vontade quanto o repúdio.

Esse não é, em si, um cartum engraçado. É um cartum que, à primeira vista, você dá aquele sorrisinho de quem não entendeu nada, mas não quer deixar o autor sem graça, e depois que entende ou se faz entender, sente aquele “que puxa” dando um nó no estômago.

Vocês conhecem aquela velha cena, também clichê, do mendigo observando as pessoas, pela vidraça, comendo em um restaurante bacana, não é? Isso não é verdade. Ele não observa ninguém comer. O que ele observa, com estima e saudade, ou com ciúme e inveja, é a família. A união familiar, o momento, a alegria, a confraternização. Afinal, se ele ingerir um prato de ravioli ou trutas do mar, o camarada é capaz de pôr tudo pra fora em pouco tempo e sentir dores horrorosas no estômago a noite toda. Ao menos, isso foi o que me relatou um indigente, certa vez, na porta de minha casa. Ele batucava ferozmente uma latinha (era um samba frenético como um jazz beebop) quando meu avô lhe ofereceu um prato de arroz, feijão, um filé bem passado e batatas gratinadas, além de um refrigerante. “Muito obrigado, Seu Washington. Mas se o senhor quiser me dar uma caixinha de leite, eu vou aceitar. Estou tão acostumado a comer lixo que se descer uma comida decente e temperada no meu estômago, eu vou até parar no hospital, se me deixarem entrar, claro!” Essa foi sua resposta. Advogado era o caboclo. Largou tudo por conta de um amor que o trocou por outro alguém. Portanto, se vires aquele maltrapilho com o nariz na vitrine, lembre-se que ele não quer sua comida. Ele só está remoendo lembranças ou sonhando com momentos que nunca teve, ao contrário dos cães, que querem a comida, o carinho e tudo o mais que você puder lhes oferecer.

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