28 de fev. de 2007

Sobre as Crônicas babilônicas


A “vida real” muitas vezes nos prega peças que até Deus duvidaria. Mas, muitas vezes, essas peças são embarcadas num tabuleiro de xadrez e manipuladas de forma precisa e congruente. Ou seja: “do jeito que o diabo gosta!”. O fato é que se o jogador não for um bom chessmaster, não adiantaria nada a “vida real” lhe mostrar seus absurdos para que ele possa de alguma forma tirar proveito de toda essa fórmula nonsense ali explícita, prontinha para ser transformada e assimilada de maneira mordaz pela platéia.

Em Crônicas Babilônicas tudo isso acontece: um cão conversa com seu dono porque é isso que deveria acontecer, na realidade; Um poeta conversa com uma criança morta, dada por indigente, com uma bala perdida na cabeça, onde as atualizações da vida moderna são administradas em doses homeopáticas através de um jornal usado para cobrir o corpo que ali jaz; Um grupo de excluídos pela sociedade se encontra em reuniões semanais para discutir sua posição na Terra. Ou o que é melhor, para descobrir que a Terra gira em torno deles mesmos. São homossexuais, índios, menores abandonados, prostitutas, donas de casa e... Donas de casa!? Mas como? Quem são esses? E ainda existe aquela filha reprimida pelos pais, tanto moral, sexual quanto psicológico e fisicamente. Sem nenhum pudor, ela ainda assim tenta salvar a família de se tornar o que eles não são, mas que se encontra em fase de “amadurecimento transgressor”. Ou seja, a mãe vive amarrada e amordaçada em uma cadeira francesa, só lhe faltando a forca e a última carta, na sala, enquanto o pai devora tudo e todos que ousam se aproximar da filha, vivendo como um tiranossauro rex verdadeiro, dentro de casa. Surreal? Não, muito próximo de todos nós, mas só as Crônicas Babilônicas conseguem nos mostrar essa realidade de forma tão simpática, agradável e triste de ser, com tanto humor que até conseguimos chorar depois de dar algumas gargalhadas.

Crônicas Babilônicas foi criada a partir das minhas experiências reais, familiares e sociais, convivência com junkies, poetas de boteco, sociólogos de boteco, músicos loucos de boteco, muita gente auto-suficiente enquanto estão nos botecos. Que coisa, não é? Ateus mais crentes em Deus do que se possa imaginar, jovens desrespeitosos com os pais e pais desrespeitosos com seus filhos. Famílias descontroladas por perdas e danos, materiais e morais e, principalmente, financeiros. Amizades baseadas em interesses e muita falta de propósitos e muita saúde jogada fora em noites de álcool e rock’n’roll. Contudo, tive o privilégio de vivenciar tanta coisa assim, estranha. Muitas das vezes calado. Afinal, se abrisse a boca, as minhas idéias eram todas controversas a tais opiniões, já que eu estava ali como espectador de situações e vidas estranhas e paralelas a meus ideais. Um papel de jornalista anacrônico sem a intenção de levar para casa o Pulitzer. Para muitos, um exagero, para outros, isso passa, para os editores não passa de material comercial vendável, já para eu, o autor, um grande laboratório cheio de pequenos camundongos e é tudo puramente isso mesmo e mais um pouco: onirismos da vida real incongruente.

Laz Muniz

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